Na história do desporto, são muitos os atletas que ganharam à alcunha de voadores, dadas as excelentes capacidades que dispunham, não necessariamente de velocidade pura, mas em provas cronometradas. O epíteto de "algo voador" tornou-se um lugar-comum, mas talvez não haja história tão alucinante como a do escocês Graeme Obree.
O nome poderá não esclarecer a maior parte dos leitores, pelo que alguns poderão pensar que se notabilizou numa modalidade pouco mediatizada e no passado. Puro desengano. Obree, reconhecido como "O Escocês Voador" bateu o recorde da hora em ciclismo em Julho de 1993.
No entanto, a história de Obree não se remete apenas ao feito alcançado e ao cognome apelativo, mas também à história de vida e à forma como o conseguiu alcançar. Para isso, basta dizer que a bicicleta que o levou ao recorde horário foi feita por ele. Surpreendido? Há melhor. Entre as peças utilizadas estavam materiais de uma máquina de lavar.
A carreira de Obree foi marcada por acontecimentos invulgares. Os problemas familiares, com várias mortes e suicídios, levaram-no inclusivamente a tentar colocar termo à vida, por duas vezes, ambas sem sucesso. Numa das primeiras provas em que participou, mostrou-se tão perdido que julgou que tinha acabado 100 metros antes da linha de chegada, induzido em erro pela linha de partida.
Segundo a sua biografia, foi a desastrosa gestão de vida que o levou a tentar quebrar o recorde da hora, que pertencia há nove anos a Francesco Moser. Para Obree, a explicação era simples: "O recorde fascina-me desde que o Moser o conseguiu. É o derradeiro teste, um homem numa pista contra o relógio. Pessoalmente, não pensei que iria 'tentar' batê-lo, apenas que o iria "mesmo" bater".
Com uma original bicicleta, feita à medida para não criar situações difíceis durante a performance, o Escocês Voador tentou o objectivo pela primeira vez em Hamar, na Noruega, mas ficou a quase um quilómetro de Moser. Como tinha reservado o recinto por 24 horas, fez questão de o voltar a tentar logo na manhã seguinte. Os métodos utilizados por Obree eram relatados desta forma por um jornalista: "Obree optou pela medida invulgar de beber vários litros de água seguidos de forma a ter que se levantar várias vezes durante a noite. Sempre que o fazia, alongava os músculos. Terá sido uma perda de tempo?"
Após o recorde, Obree explicou a estratégia. "Foi o Butch Cassidy (famoso ladrão de comboios) em termos de coragem. Não queria pessimismos. Sabia para o que ia e pedi apenas que me deixassem fazê-lo, Foi essa a diferença, o estado mental. No dia antes tinha sido um rato... agora sou um leão".
Numa época em que a velocidade numa bicicleta estava a ser bastante valorizada, o também britânico Chris Boardman superou novamente o recorde na semana seguinte. Obree não ficou contente e demonstrou mais uma vez que podia ser ainda mais rápido. Foi a 27 de Abril de 1994, precisamente na mesma pista, em Bordéus, que tinha garantido o novo máximo a Boardman.
A capacidade e feitos do escocês levaram-no a assinar contrato com uma equipa profissional, mas foi sol de pouca dura. Razão? Faltou a uma reunião de equipa e foi despedido por "falta de profissionalismo".
Em 2006, Obree analisou o sucedido bem como os escândalos sucessivos de doping. "Continua a sentir que fui roubado. Assinei para participar no prólogo em 1995, mas fizeram-me ver que só o faria se tomasse drogas. Disse que não, nem pensar, e mandaram-me embora. 11 anos depois, estava ali, a ver os ciclistas a passar e a sentir sensações estranhas. Sinto que fui roubado por muitos daqueles safados que se dopam. Também detesto as pessoas que pensam que todos os que alcançaram alguma coisa na vida, fizeram-no porque se doparam".
E para encerrar todas as dúvidas, Obree é peremptório. "Estou disposto ao teste do polígrafo se insinuarem isso alguma vez".